sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O Rei dos Belgas (King of the Belgians)

"O Rei dos Belgas" (2016) dirigido pela dupla Jessica Hope Woodworth e Peter Brosens (A Quinta Estação - 2015) é uma sátira poética em forma de mockumentary sobre o despir da nobreza, um conto divertido, reflexivo e imensamente lindo.
Nicolas III (Peter Van den Begin) está em uma visita de estado a Istambul quando Valônia, a metade do sul da Bélgica declara a sua independência. O rei deve retornar para salvar o seu reino. Mas uma poderosa tempestade solar bloqueia todo o tráfego de telecomunicações e do ar. O rei e sua comitiva estão agora presos em Istambul. Com a ajuda de um cineasta britânico eles conseguem escapar da Turquia, incógnitos entre um grupo de cantores búlgaros. Assim começa uma odisseia através dos Bálcãs em que o rei descobre vida real e ele próprio.
O rei Nicolas segue todo o protocolo real e agora o seu cotidiano cheio de decisões está sendo filmado, a pedido de sua mulher o cineasta retrata momentos importantes e sempre quando sorri, impressionantemente por ocasião do destino esses momentos acabam sendo de fato verdadeiros e não forçados como propostos no início, a mistura de comédia, poesia, política, road movie e documentário traz um ar único ao filme que com o desenrolar da história vai despindo a realeza, tornando-o humano e experimentando a vida, expõe a diversidade de culturas, a beleza dos povos, dos estereótipos criados, das intrigas entre nações alimentadas pela mídia, o carinho e a gentileza de países considerados perigosos e não confiáveis, como Bulgária e Sérvia, e, principalmente, da inutilidade de seu cargo. São cenas dotadas de doçura e riquíssimas em conteúdo, a comédia ajuda na descaracterização desta figura de poder e surge a reflexão de todo o universo político em torno do rei, que é apenas uma figura simbólica e pouco faz na prática realmente.
Enquanto a Valônia -  a parte francófona da Bélgica - declara independência, o rei está na Turquia para celebrar a admissão desta na União Européia, ele fica preso no país quando uma tempestade solar os impede de pegar o avião e resolver a situação da separação, quem tem a ideia de tirá-los de lá é o documentarista Duncan Lloyd (Pieter van der Houwen) que os coloca disfarçados em um ônibus junto de um grupo folk de mulheres e assim vão rodando pelos Bálcãs. Viajamos juntos do rei e sua trupe, todos em excelentes personagens, sua assessora de imprensa Louise (Lucie Debay), o chefe de operações Ludovic (Bruno Georis) e do assistente Carlos (Titus de Voogdt), que aos poucos também vão se despindo de suas facetas duras, vão da Turquia para Bulgária, da Sérvia para Montenegro e sem querer param na Albânia, os conceitos e propósitos vão se modificando e dando outros olhares, como a parada na Bulgária e seu concurso de iogurte e o prefeito que não usa sapatos e disserta sobre a felicidade e o encontro com um ex-atirador sérvio a base de muita rakia.

Peter Van den Begin como o rei é formidável, compõe perfeitamente a placidez e a altivez de um nobre, mas que se abre para as pequenas coisas da vida e percebe ao final a inutilidade de seu título. A metalinguagem é outra coisa bastante interessante, o filme dentro do filme, o modo como a câmera captura esses momentos são pura poesia e adentramos nesta doce sátira de transformação, o rei de um mero fantoche se torna um homem sensível com sorrisos sinceros para oferecer. A trilha sonora é composta por música erudita, Grieg, Ravel, Bach e Vivaldi, inclusive há uma cena memorável do rei dançando o Boléro de Ravel, uma das tantas especiais.

"O Rei dos Belgas" é uma comédia reflexiva e ácida, original, delicada e muito agradável, encantadora abordagem sobre a humanização de um ilustre e toda a questão da União Européia e os Bálcãs. Excelente em expor as fragilidades, os estereótipos, sejam eles políticos ou culturais. 

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